• Nicole W. Forrester* | The Conversation
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Simone Biles, ginasta dos Estados Unidos, nas Olimpíadas de Tóquio (Foto: Reprodução Instagram/@simonebiles)

Simone Biles, ginasta dos Estados Unidos, nas Olimpíadas de Tóquio (Foto: Reprodução Instagram/@simonebiles)

As Olimpíadas de Tóquio ficarão na história por vários motivos. Foi a primeira Olimpíada a ser adiada, a primeira a ser realizada em meio a uma pandemia e a primeira a não ter espectadores.

Mas essas Olimpíadas também serão lembradas por outra estreia — a exibição pública de desafios de saúde mental por duas das maiores estrelas do esporte do mundo, a ginasta Simone Biles e a tenista Naomi Osaka.

As Olimpíadas de Tóquio, contudo, não são os primeiros Jogos a enfrentar desafios únicos.

No meio das Olimpíadas de 1972 em Munique, a vila dos atletas foi tomada por terroristas, resultando na morte de 11 atletas israelenses. Notavelmente, após suspender os Jogos por apenas 24 horas, os atletas voltaram à competição.

Nas Olimpíadas de Atlanta de 1994, uma bomba de cano foi detonada no Parque Olímpico do Centenário, matando uma pessoa e ferindo 111 outras. E assim como as Olimpíadas de Tóquio, os Jogos da Antuérpia de 1920 foram realizados na esteira da pandemia de gripe.

Quando os atletas se mostram à altura em condições difíceis, dizemos que eles são mentalmente fortes — e os aplaudimos. Mas se eles falharem em entregar o desempenho esperado, presumimos que se atrapalharam.

E ainda, como vimos com Biles e Osaka — duas atletas que são as melhores do mundo em seus respectivos esportes —, nenhum de nós assistindo às Olimpíadas pode realmente saber quais outros problemas pessoais ou adicionais um atleta pode estar enfrentando.

Tenista japonesa Naomi Osaka nos Jogos Olímpicos de Tóquio (Foto: Reprodução Instagram/@naomiosaka)

Tenista japonesa Naomi Osaka nos Jogos Olímpicos de Tóquio (Foto: Reprodução Instagram/@naomiosaka)

É comum os atletas carregarem uma carga maior a fim de que consigam performar; lutarem para distinguir sua identidade de suas conquistas e, para alguém favorito como Biles ou Osaka, sentir o peso do mundo em seus ombros. Na verdade, poucos podem retornar aos Jogos Olímpicos e vencer novamente após as Olimpíadas anteriores.

Em 1993, pesquisadores entrevistaram atletas campeões mundiais e descobriram que o sucesso resultava em maiores demandas, comprometendo desempenhos futuros de alto nível, a menos que eles fossem capazes de controlar tanto as expectativas que colocavam sobre si quanto as de demandas externas como mídia, patrocinadores e público.

Uma das muitas coisas que tornam as Olimpíadas de Tóquio únicas é a ausência de multidões. Para alguns atletas, a presença da torcida pode ajudá-los a atingir um estado de desempenho ideal.

Quando eu estava competindo pelo Canadá no salto em altura, tirei muita energia do público — e consequentemente tive melhores performances em um estádio lotado. Mas se houvesse poucos torcedores nas arquibancadas, eu tinha que trabalhar muito no meu jogo mental para me sair bem. Outros atletas, no entanto, preferem a ausência de pessoas, porque podem melhorar o foco e manter o nível de excitação sob controle.

Saúde mental e desempenho mental

As demandas dos atletas nesses Jogos geraram muitas discussões sobre saúde mental, mas não tanto sobre desempenho mental.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, saúde mental é “um estado de bem-estar no qual o indivíduo percebe que suas próprias habilidades podem lidar com o estresse normal da vida, pode trabalhar de forma produtiva e frutífera e é capaz de dar uma contribuição para sua comunidade.” A estabilidade mental pode abranger desde estar mentalmente saudável, passando por angústias emocionais diárias, até problemas ou doenças mentais.

Todos nós vivenciamos angústias mentais diárias, como fracassar no emprego, pressão de trabalhos escolares ou ter um desentendimento com alguém próximo. Quando confrontados com esses desafios, geralmente somos capazes de enfrentá-los e nos ajustar e, eventualmente, retornar a um estado de boa saúde mental.

Problemas de saúde mental são momentos da vida em que enfrentamos desafios substanciais difíceis de administrar — a perda de um ente querido, uma agressão sexual ou o divórcio. Eles podem ser prolongados, mas não são um transtorno mental. Uma doença mental é uma condição clinicamente diagnosticada, como depressão ou transtorno bipolar, que resulta em angústia ou problemas funcionais.

A performance mental se preocupa com a psicologia do desempenho esportivo, em que o desempenho ideal e o bem-estar dos atletas são abordados por meio do treinamento de habilidades mentais.

A psicologia do esporte é fundamental

O objetivo final do treinamento de habilidades mentais é a autorregulação, ou seja, os atletas entendem as condições em que têm o melhor desempenho, as situações em que não o fazem e como são capazes de se adaptar e ajustar para estar em um estado de performance ideal.

Uma pesquisa mostrou que quando a autoestima de um indivíduo é ameaçada e ele experimenta sofrimento emocional, a autorregulação e os esforços de enfrentamento podem falhar.

O treinamento de habilidades mentais ajuda os atletas a lidarem com eficácia e retornarem a um estado de saúde mental rapidamente quando estão em sofrimento. Atletas proficientes em autorregulação podem se adaptar e ajustar-se mentalmente quando não estão no estado emocional desejado para ainda apresentar um ótimo desempenho.

Ginasta Simone Biles desistiu de competir em finais das Olimpíadas de Tóquio para preservar sua saúde mental (Foto: Reprodução Instagram/@simonebiles)

Ginasta Simone Biles desistiu de competir em finais das Olimpíadas de Tóquio para preservar sua saúde mental (Foto: Reprodução Instagram/@simonebiles)

Muitos atletas e treinadores trabalham com um consultor de desempenho mental para desenvolver essas habilidades. Mas somente nas últimas duas décadas, quando o esporte começou a realmente abraçar o treinamento mental como um componente em uma equipe de apoio integrada, essa prática se tornou popular.

O problema com o desempenho mental é que ele é intangível. É fácil ver melhorias físicas, como no treinamento de força, mas é muito mais difícil ver avanços na confiança ou resiliência mental.

Embora a maioria dos atletas e treinadores reconheça a psicologia do esporte como crítica para o desempenho, ela geralmente recebe o mínimo de atenção no treinamento. Descobriu-se que as habilidades mentais são um fator determinante que distingue os atletas olímpicos bem-sucedidos dos menos bem-sucedidos.

Começando uma conversa

Quando os atletas atuam sob pressão e apresentam desempenhos incríveis, eles são elogiados como sendo mentalmente fortes. No entanto, se lutam ou sufocam sob pressão, podem ser chamados de mentalmente fracos.

Por mais que a gente tenda a aceitar alguém lutando contra problemas de saúde mental, aceitamos menos atletas que enfrentam problemas de desempenho mental. Ambos devem ser aceitos e apoiados, como os Jogos de Tóquio estão ilustrando.

Biles e Osaka demonstraram ao mundo que somente o atleta sabe realmente o que está acontecendo e apenas ele é capaz de tomar decisões que atendam aos seus melhores interesses. Biles e Osaka também ajudaram a encorajar discussões sobre saúde mental e desempenho mental.

Embora a performance e a saúde mental não sejam necessariamente mutuamente exclusivas, lutar contra um desempenho mental não significa automaticamente que um atleta está tendo um problema de saúde mental. Também não significa que seja um atleta mentalmente fraco.

Mas uma lição dessas Olimpíadas deve ser a importância da psicologia do esporte. O psicólogo Abraham Maslow, o pai da autorrealização, estimou que menos de um por cento da população adulta atingiria seu pleno potencial.

À medida que exploramos o potencial humano no esporte, é hora de perceber que o treinamento mental é tão importante quanto o treinamento físico para alcançar desempenhos incríveis.

*Professora assistente na Escola de Mídia da Universidade Ryerson (Canadá). Este artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation